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Processo Civil - CPC 2015

A incerteza do cômputo dos prazos no cumprimento definitivo de sentença à luz da interpretação do artigo 523 do novo código de processo civil

Autor: Bruno Fernando Garutti
Publicado no site em: 08 de agosto de 2016
O novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/15 – em vigência desde 18 de março de 2016, trouxe consigo alterações substanciais no que diz respeito aos prazos legais, dado que, a partir de então, nos termos do Artigo 2191, "na contagem de prazo em dias, estabelecidos em lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis", e, além disso, complementa o parágrafo único, tal forma de contagem "aplica-se somente aos prazos processuais"2, demonstrando o ineditismo3 da norma:

"[...] os prazos processuais são em regra contados em dias, e quanto a eles há uma grande novidade no Novo Código de Processo Civil. O art. 219, caput, do Novo CPC traz interessante inovação quanto à contagem de prazo, passando a estabelecer que a contagem de prazo em dias, determinado por lei ou pelo juiz, computará somente os dias úteis."4

Assim, importante verificar, antes de mais nada, que a nova5 sistemática processual trouxe expressa distinção entre os prazos materiais6 e processuais7, sendo que, apenas aos segundos aplicar-se-ão os referidos dias úteis, o que tornou, no âmbito das regras procedimentais para cumprimento definitivo de sentença na obrigação de pagar quantia certa estabelecidas nos artigos 523 ao 527 do mencionado diploma legal, um campo inseguro ao executado a fim de que opte em cumprir o comando executório no prazo de 15 (quinze) dias úteis ou 15 (quinze) dias corridos, principalmente para fins de apresentação da impugnação a que se refere o caput do artigo 5258, sem sofrer as devidas sanções prescritas na norma estatuída no artigo 523 e parágrafos9.

Portanto, da imediata vigência do novo diploma legal, a despeito da vacatio legis de um ano (artigo 1.04510, novo CPC), adveio significativa insegurança jurídica ante a insuficiência da norma, em grande parte, na fase executória, pelo fato de que, apesar de se saber o exato início do cômputo do prazo para pagamento da quantia exequenda, que se inicia com a intimação do devedor para pagar o débito, não foi regulamentado se o pagamento – cumprimento – deverá ser realizado em dias úteis ou corridos.

Assim, a princípio, antes de verificar se o prazo a que se refere o artigo 523, novo CPC, é de caráter processual ou material, o que não se pretende exaurir neste artigo, dada a divergência doutrinária a esse respeito que será adiante exposta, o executado possui três alternativas a fim de cumprir o comando sentencial nos casos de obrigação de pagar quantia certa.

Primeiro, antes mesmo do réu ser intimado acerca da instauração da fase do cumprimento de sentença, poderá oferecer em pagamento o que entende ser devido, desde que apresente memória discriminada de cálculo, nos termos do artigo 526, caput11.

A problemática desta primeira opção por parte do réu reside justamente no fato de que, ante a nova12 sistemática, no caso de impugnação pelo autor do valor por ele depositado (art. 526, § 1º), "concluindo o juiz pela insuficiência do depósito, sobre a diferença, incidirão, multa de dez por cento e honorários advocatícios, também fixados em dez por cento, seguindo-se a execução com penhora e atos subsequentes." (art. 526, § 2º).

Em segundo lugar, o réu – executado – poderá aguardar a intimação para pagar a quantia exequenda e, caso considere que os cálculos apresentados pelo autor estão corretos, deverá realizar o pagamento e aguardar a extinção da fase de execução, com o posterior levantamento pelo exequente da quantia depositada.

Em terceiro lugar, na hipótese do parágrafo anterior (no caso do réu aguardar a intimação para pagar a quantia exequenda), contudo, considerando o executado a existência de uma das hipóteses impugnáveis do artigo 525, § 1º, incisos I à VII13, novo CPC, deverá, no prazo de 15 (quinze dias), tendo ou não realizado o depósito voluntário da quantia que o autor (exequente) entendeu como devida, apresentar impugnação, podendo requerer, outrossim, a atribuição de efeito suspensivo, nos exatos termos e hipótese do artigo 525, parágrafo sexto14, novo CPC.

Neste último caso, na hipótese de não acolhimento da impugnação, o executado poderá incorrer nas penalidades previstas no parágrafo primeiro do artigo 523, quais sejam, acréscimo ao débito exequendo de multa de dez por cento e honorários advocatícios, também fixados em dez por cento, tendo que realizar o pagamento – caso já não o tenha feito por precaução no prazo para pagamento voluntário ou já não tenha sofrido bloqueio em suas contas – neste momento.

Assim, após verificadas as possibilidades que existem ao executado no cumprimento definitivo de sentença na obrigação de pagar quantia certa, conferidas pela atual legislação processual, importa saber, ou ao menos indicar, neste início de vigência do novo Código se o prazo a que se refere o caput do artigo 523, novo CPC, é de natureza material – não processual – ou processual.

Isto porque, no caso do prazo em referência ser não processual, estar-se-ia diante de contagem do prazo em dias corridos, aplicando-se, assim, o disposto no artigo 231, V15, novo CPC, o que impacta de forma direta na contagem do prazo inicial para apresentação de impugnação, esta última, a ser apresentada computando-se o prazo em dias úteis.

Vale dizer, a insuficiência de norma em determinar se o prazo para pagamento voluntário é em dias úteis ou corridos implicará diretamente em consequência processual e de cunho econômico ao executado.

Por conseguinte, se o executado, após iniciado o cumprimento definitivo de sentença com a intimação para pagar o valor discriminado em memória de cálculo juntado pelo exequente não o fizer no prazo de 15 (quinze) dias, (i) incidirá na multa de dez por cento, além de honorários arbitrados em outros dez por cento, nos termos do artigo 523, parágrafo primeiro; bem como, (ii) uma vez que o prazo para apresentar impugnação terá início apenas após o término do prazo para pagamento voluntário, é certo que o equívoco no cômputo de prazo para o pagamento voluntário – por exemplo, no caso de considerá-lo como sendo não processual –, significará a intempestividade e consequente preclusão temporal16 para apresentação da impugnação, impossibilitando o executado de se opor ao débito exequendo, bem como, submetendo-se a futuros atos expropriatórios a serem realizados no curso da execução.

Logo, diante do imbróglio jurídico que em breve deverá ser submetido ao Superior Tribunal de Justiça, provavelmente através de instrumento processual próprio, qual seja, do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), com fundamento no novo diploma processual legal – conjugação dos artigos 928, parágrafo único17 com o artigo 976, II18, ambos do novo CPC – chega-se a questão que vem sendo debatida pela doutrina, debate que também se estende ao prazo previsto no artigo 82919, novo CPC, referente ao processo de execução.

A questão não é simples, em que pese inovadora, uma vez que decorre, como mencionado no início deste artigo, da não aplicação da contagem dos prazos em dias úteis aos prazos não processuais, conforme disposto na norma estatuída no artigo 219, parágrafo único, novo CPC. Por isso, talvez, pela aplicação ainda recente no campo da prática processual, o tema não tenha sido objeto de debates pela maioria dos processualistas, em que pese muito deles já ter expressado posição a respeito da natureza do prazo aludido no artigo 523, caput.

Veja-se, por exemplo, alguns argumentos utilizados por parte da doutrina, de modo a conferir, quanto ao prazo indicado para cumprir (pagar) a condenação, natureza processual:

"O prazo fixado no texto ora comentado tem como destinatário a parte, que é quem deve praticar ato para cumprimento da sentença (pagamento) em quinze dias. Trata-se de prazo fixado em lei, como exige o CPC 219 caput para que a contagem se dê em dias úteis. O segundo requisito legal para a aplicação do critério de contagem somente em dias úteis é a destinação da intimação: prática de ato processual, que é o que deve ser praticado no, em razão do ou para o processo. Cumprimento da sentença, portanto, é ato processual que deve ser praticado pela parte. Incide a regra da contagem de prazo prevista no CPC 219 caput e par. ún., de que os prazos previstos em lei ou designados pelo juiz fixados em dias, correm apenas em dias úteis."20

"Impõe-se, por fim, indagar a respeito da contagem do prazo de quinze dias, notadamente diante da regra contida no art. 219 pelo qual "a contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os úteis", com a ressalva contida no seu parágrafo único de que tal regra “aplica-se somente aos prazos processuais". Conquanto o ato de pagar seja voltado à parte, o comando exarado pelo juiz, instando o executado a pagar em determinado prazo, como já dissemos, é ato executivo, de natureza mandamental (coercitiva), daí porque se trata de um prazo processual e, como tal, deve observar o comando do art. 219. Assim, o prazo de quinze dias deve ser contado em dias úteis."21

"Nesse sentido, o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523 do novo CPC – quinze dias contados da intimação para pagamento, realizada na forma do art. 513, § 2º – é de natureza processual ou material? Certamente haverá margem para discussão, mas considerando que esse ato (pagamento) também se destina (ainda que não exclusivamente) a produzir efeitos no processo, inibindo a deflagração das próximas etapas do cumprimento de sentença, com a realização de atos constritivos sobre o patrimônio do executado, parece que o prazo deve ser qualificado como processual, computando-se apenas nos dias úteis"22

Entretanto, é importante verificar que há argumentos relevantes no que diz respeito a natureza material do prazo disposto no artigo 523, caput, também discutido pela outra parte da doutrina23:

"Ressalte-se, por fim, que a regra de contagem de prazos apenas em dias úteis aplica-se tão somente a prazos processuais. Isso significa que os prazos concedidos às partes para o cumprimento de sentença ou decisões interlocutórias que lhes imponham obrigações não contarão com o beneplácito do art. 219, contando-se de forma corrida igualmente em dias não úteis."24

"Apesar de existir corrente doutrinária que defende tratar-se de um prazo processual (apud, Scarpinella Bueno, Manual, p. 402), em meu entendimento o prazo é material, porque o pagamento é ato a ser praticado pela parte e não pelo advogado, não se tratando, portanto, de ato postulatório."25

Como mencionado, a questão não está pacificada entre os processualistas que iniciaram o estudo a seu respeito, e não ficará até definição e estabilização do tema, como bem salientado por estudiosos da área:

"[...] Mas não há consenso a respeito do tema. Para alguns, se o ato tiver de ser realizado primordialmente fora dos autos, ou se não for para realizar um ato estritamente processual, já não se trata de ato processual. Nesse sentido, haveria espaço para debate se um prazo seria processual (e, portanto, com contagem em dias úteis) ou material (com contagem em dias corridos, nos termos da legislação civil). [...]"

[...] Contudo, como dito, a questão é polêmica, já existindo considerável divergência doutrinária a respeito do tema neste início de vigência do Código. [...]"26

Vale ressaltar, entretanto, que diante da insegurança jurídica demonstrada, por consequência, duas precauções deverão ser observadas por parte dos operadores do direito (especificamente, advogados e magistrados).

Em primeiro plano, caberá ao advogado, até estabilização do entendimento jurisprudencial, considerar o cômputo do prazo – no cumprimento definitivo de sentença na obrigação de pagar quantia certa –, em dias corridos, a despeito de qualquer entendimento doutrinário contrário, conforme acima exposto. Aquele que cumpriu o comando no prazo exíguo, por certo, o terá feito também dentro do prazo mais amplo, a despeito do entendimento futuro.

A segunda precaução, direcionada aos magistrados27, deverá respaldar-se no princípio da cooperação, esculpido no artigo 6º28, novo CPC, sendo-lhe uma das vertentes o dever de prevenir, dando-se ênfase ao processo como genuíno mecanismo técnico de proteção de direito material29, vale dizer, caberá ao magistrado expressamente determinar no despacho que intima o executado para cumprir o comando sentencial, se o cômputo se dará em dias úteis ou corridos.

Finalmente, em que pese o teor insuficiente da norma disposta pela conjugação dos artigos 523 e 219, parágrafo único, novo CPC, e, sem embargo ao entendimento doutrinário que apenas demonstra a incerteza a respeito da aplicação do texto normativo, resvalando, inclusive, no entendimento quanto a própria teoria do ato processual, o balizamento da questão deverá ser decorrência de decisão futura a ser articulada pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão do poder judiciário com a precípua função de estabilizar o entendimento a respeito de interpretação30 da legislação federal, cabendo aos operadores do direito atuar com precaução e cooperação, esta última, por sinal, aplicável a todas as fases do processo.

Fonte: Migalhas « Voltar