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Processo Civil - CPC 2015

Ônus da prova

Autor: Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega
Publicado no site em: 19 de setembro de 2016
Muito embora a colaboração das partes para o esclarecimento da verdade seja um dever (artigo 378 do CPC/15), o ônus da prova é considerado, na verdade, um encargo. Se dever é obrigação que, inobservada, atrai sanção, ônus, por outro lado, tem apenas o condão de colocar a parte em situação de desvantagem caso dele não essa se desincumba.

O ônus da prova tem um sentido subjetivo na medida em que é regra de atividade direcionada às partes, advertindo-as quanto ao que devem provar e quanto ao risco da não-desincumbência do ônus.

Há, porém e além, preponderante dimensão objetiva, a veicular regra de julgamento direcionada ao juiz, indicando-lhe sobre como deverá decidir se certos fatos não forem provados. Mais bem explicando, encerrada a instrução, e remanescendo para o magistrado dúvidas acerca dos fatos, não há espaço para que se deixe de julgar a causa. A saída, pois, trazida pela regra do ônus da prova, passará pela análise sobre que parte não cumpriu com seu encargo e deverá, por isso, sofrer com o prejuízo da não-comprovação.

Daí por que se diz que as regras relativas ao ônus da prova têm aplicação subsidiária, somente incidindo se o fato probando não for, em determinada hipótese, provado. Em suma, normas que, por via reflexa, dizem quem deve provar o que, quando alertam quem suportará os efeitos da não-prova. Ao mesmo tempo, como dito acima, essas regras orientarão o juiz, pois, independentemente de não haver prova, será imperiosa a prolação de uma decisão, eis que vedado o non liquet.

Distribuição estática do ônus da prova

Se denomina estática a distribuição do ônus da prova prévia e abstrata, que parte da premissa de o encargo da prova de determinado fato deve ser imposto àquela parte que se teoricamente se beneficiará caso o fato alegado prevaleça. Se é seu o virtual bônus, deve ser seu o ônus.

O artigo 373, I e II, do CPC/15 consagrou, como regra, a distribuição estática, fazendo recair sobre o autor o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito e sobre o réu o de comprovar os fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor1.

A distribuição estática já era a opção eleita pelo CPC/73, em seu artigo 333, encontrando críticas no sentido de ignorar as peculiaridades do caso concreto, estabelecendo uma regra geral que poderia se revelar injusta em determinados casos, em que uma parte ostentasse condição de hipossuficiência probatória diante da outra ou quando a prova era impossível ou muito difícil2 e 3 de ser produzida por aquele sobre quem recaísse o ônus de sua produção. Nesses casos, surgiu a ideia de que a distribuição estática deveria ceder a uma distribuição dinâmica — teoria das cargas probatórias dinâmicas —, segundo a qual o ônus da prova deve recair sobre a parte que tivesse maiores condições de dele se desincumbir, à vista da cooperação e da boa-fé processual. O encargo, assim, não seria distribuído antecipada e abstratamente, mas dinamizado in concreto.

Ainda sob a égide do CPC/73, portanto, doutrina e a jurisprudência4 passaram a admitir, de lege ferenda e excepcionalmente, a dinamização da distribuição do ônus da prova, mesmo fora de relações de consumo. Esse entendimento acabou positivado pelo § 1º do artigo 373 do CPC/15, que ampliou enormemente a possibilidade de inversão ope judicis do ônus da prova.

Inversão do ônus da prova

Se, como visto, a regra eleita pelo CPC/15 é a da distribuição estática do ônus da prova, é certo, todavia, que o ônus pode ser invertido, no sentido de atribuí-lo a quem, segundo a regra presente no artigo 373, I e II, não o teria em princípio. Essa inversão pode se dar por força de disposição legal que excepcione a distribuição estática (ope legis), por convenção das partes, ou, ainda, por decisão judicial (ope judicis).

Na inversão por obra da lei, o que se tem, em verdade, é norma específica que, em situações determinadas, distribui o ônus da prova de maneira diversa da regra geral do artigo 373, I e II, independentemente das peculiaridades do caso concreto e de qualquer juízo do magistrado.

A inversão do ônus da prova por força de lei é ilustrada pelas presunções relativas5 — de que é exemplo notório o artigo 2º-A da lei 8.560/92 — e, ademais, pelos artigos 12, § 3º, 14, § 3º, e 38, caput, do CDC, e 1.597, II, do Código Civil.

Os §§ 3º e 4º do artigo 373, de sua vez, consagram negócio processual típico ao admitir que as partes convencionem a distribuição do ônus da prova, antes ou durante o processo.

Naturalmente, há requisitos de validade para a convenção, que não terá lugar quando recair sobre direito indisponível6ou quando dificultar em excesso o exercício do direito pela parte — também podem ser invocados como limitações à convenção sobre ônus da prova os artigos 190, parágrafo único, do CPC/157, e 51, VI, do CDC8.

Finalmente, tem-se que, em certas hipóteses, a lei autoriza o magistrado a que, presentes determinados requisitos, inverta, ou não, o ônus da prova à luz das circunstâncias presentes no caso concreto, instrumentalizando, assim, a norma processual fundamental contida no artigo 7º do CPC/15, que assegura às partes a paridade de armas9.

Sob a égide do CPC/73, é bem verdade que a inversão do ônus da prova por obra do julgador já se fazia presente no artigo 6º, VIII, do CDC10 e 11, recebendo, ainda, acolhimento pela jurisprudência por meio da aplicação da teoria da distribuição dinâmica, em hipóteses excepcionais12. A amplitude e o regramento conferidos pelo CPC/15, todavia, são inéditos.

Por força do § 1º do artigo 373, que positivou a distribuição dinâmica no CPC/15 para estendê-la a hipóteses gerais, para além de relações de consumo, caberá ao juiz, por decisão fundamentada — contra a qual caberá agravo de instrumento (artigo 1.015, XI, do CPC/15) —, de ofício ou a requerimento das partes, dinamizar a distribuição do ônus da prova, além dos casos previstos em lei, quando presentes "peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade" de desincumbência do ônus da prova segundo a distribuição estática ou, ainda, quando verificar a "maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário".

A distribuição dinâmica do ônus da prova, sem embargo, há que ser parcimoniosa, sendo vedada sempre que tornar impossível ou excessivamente difícil a desincumbência do encargo por aquele em desfavor de quem há a inversão (artigo 373, § 2º). Busca-se, com isso, evitar o paradoxo de se criar, com a inversão do ônus, precisamente a situação que se pretendeu prevenir, impondo-se à parte em desfavor de quem ocorre a inversão a produção de prova diabólica. Ora, se o equilíbrio, a igualdade processual e a paridade de armas fundamentam a dinamização, de igual modo possuem um núcleo essencial intangível que não pode permitir que nenhuma das partes saia prejudicada. Em resumo, seria ilógico, a pretexto de se resguardar o contraditório substancial de uma parte, sacrificar o contraditório da parte contrária.

Dúvida natural que surge, então, é saber qual seria o momento processual adequado para que o juiz, na hipótese da inversão ope judicis13, inverta o ônus da prova. Em outras as palavras, a questão repousa sobre se a inversão é regra de instrução ou de julgamento, ou seja, se deveria o magistrado intimar a parte a fim de informá-la de que está a inverter o ônus em seu desfavor, excepcionando a distribuição estática e conferindo-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo ao longo da instrução14, ou se o magistrado, em sentença, adotaria a inversão, procedendo ao julgamento da contenda15.

Na seara judicial, tempo houve em que alguns julgados do STJ sustentavam ser a inversão do ônus da prova um regra de julgamento16, isto é, aplicável somente no momento em que proferida a decisão. A jurisprudência daquela Corte, nada obstante, acabou se consolidando no sentido de que a inversão é regra de instrução e que a inversão deve ocorrer em momento processual apto a oportunizar àquele contra quem é invertido o ônus condições de dele se desincumbir17.O artigo 373, § 1º, como visto, positivou esse entendimento, remetendo a decisão acerca da distribuição do ônus da prova para o saneamento, previamente à fase instrutória (artigo 357, III), e afastando o risco de decisão-surpresa (artigo 10), já que a parte em desfavor de quem o ônus é invertido será alertada com tempo hábil para o desencargo. « Voltar