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Processo Civil - CPC 2015

Um paralelo entre os negócios jurídicos processuais e a arbitragem

Autores: Gustavo Fávero Vaughn, Guilherme Pizzotti Mendes Coletto dos Santos e Lucas Fernandes de Sá Com o advento do novo CPC (“CPC/15” - lei 13.105/15), a doutrina passou a se debruçar com afinco no estudo dos negócios jurídicos processuais, também conhecidos por convenções processuais1.

Para Leonardo Greco2, as convenções processuais são atos bilaterais praticados no curso do processo ou para nele produzirem efeito, que dispõem sobre questões processuais, subtraindo-as da apreciação judicial ou, ainda, condicionando o conteúdo de futuros pronunciamentos judiciais. Na visão do autor, “o que caracteriza as convenções processuais ou é a sede do ato – ato integrante da relação processual, praticado no processo –, ou é a sua finalidade de produzir efeitos em determinado processo, presente ou futuro”.

Os negócios processuais são fruto da autonomia privada e implicam a liberdade de celebração, de estipulação e, principalmente, de autorregulação, destinando-se a conferir maior flexibilidade procedimental (flexibilização processual voluntária). Vale dizer: os participantes do negócio jurídico, guiados pela autonomia privada, podem criar, modificar ou extinguir relações jurídicas a partir da adequação das normas processuais ao direito material versado no caso concreto.

Embora o tema dos negócios processuais não seja novidade no ordenamento jurídico pátrio3, é salutar a inovação trazida pelo CPC/15 nos arts. 190 e 191, que tratam da cláusula geral de negociação processual e do calendário processual, respectivamente.

A norma inserida no art. 190 do CPC/15 (negócios processuais atípicos) dispõe ser lícita às partes plenamente capazes a celebração de convenções processuais quando o processo versar sobre direitos que admitam autocomposição, passíveis de serem transacionados. Cumpridos tais requisitos, poderão as partes estipular mudanças no procedimento a ser seguido com o propósito de ajustá-lo às peculiaridades da causa e convencionar sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

À semelhança do que faz a lei de arbitragem em seu art. 1º (“LArb” – lei 9.307/96), o CPC/15 recorre à natureza do direito substancial em disputa, a fim de tornar admissível, ou não, a convenção a respeito de matéria processual4. Para a validade do negócio processual é imprescindível que o direito material em discussão esteja dentre aqueles que admitam transação.

No negócio processual não é necessário que o direito material seja disponível, tal como ocorre na arbitragem; exige-se tão somente que se admita a autocomposição5. A diferença é de suma importância: direitos que admitem autocomposição formam categoria jurídica mais ampla que os direitos disponíveis, isto é, dentre os primeiros podem existir direitos disponíveis e, também, direitos indisponíveis.

Veja-se um exemplo: não obstante o direito subjetivo a alimentos seja indisponível, na medida em que é irrenunciável, e, por isso, não possa ser submetido à arbitragem, comporta transação quanto ao valor, vencimento e forma de satisfação, sendo passível de ser objeto de acordo processual entre partes capazes.

Caberá ao juiz togado, de ofício ou mediante provocação, controlar a validade dos negócios jurídicos processuais. A despeito de os negócios processuais prezarem pela autonomia privada, esta não é absoluta, sendo certo que o magistrado poderá recusar-lhes “aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”, conforme previsão expressa do parágrafo único do art. 190 CPC/15. Os negócios processuais se sujeitam aos requisitos gerais de validade para a prática de quaisquer atos processuais, de modo que podem e, mais do que isso, devem passar por um prévio controle judicial de validade.

Por sua vez, o art. 191 do CPC/15 regula o calendário processual, pelo qual é possível se convencionar acerca de prazos processuais, desde que presentes as condições legais enumeradas no caput do art. 190, aliada à indispensável concordância do órgão jurisdicional. O calendário vincula as partes, o magistrado (§ 1º, art. 191) e dispensa “a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário” (§ 2º, art. 191), o que, a nosso ver, torna a prestação jurisdicional mais célere.

Longe de esgotar a análise da matéria, o que nem mesmo seria possível, entendemos ser recomendável a celebração dos negócios jurídicos processuais, eis que possibilita às partes e aos sujeitos de direito, no âmbito da autonomia privada, a autorregulação do modus operandi da demanda, adequando-o aos seus anseios.

Para o que interessa a este artigo, cumpre-nos dizer que a arbitragem nasce da celebração de um negócio jurídico processual - a convenção de arbitragem - e se desenvolve por meio de outros pactos processuais (v.g.: Termo de Arbitragem). No tocante à relação entre os negócios processuais e a arbitragem, Thiago Rodovalho6 pontifica com precisão ímpar: “Em verdade, a própria ideia de negócio jurídico processual não é estranha à arbitragem; ao revés, lhe é muito íntima. A arbitragem nasce de um negócio jurídico processual (a convenção de arbitragem, cláusula ou compromisso) e, como regra, desenvolve-se a partir da celebração de um outro negócio jurídico processual (a assinatura do Termo de Arbitragem, que moldará o procedimento arbitral). Por evidente, na arbitragem, por se tratar de jurisdição privada, o âmbito dos poderes são maiores do que os observados no processo civil, como a possibilidade de criação de deveres inclusive para os árbitros, como a fixação de prazo para prolação da sentença arbitral”.

A arbitragem é forma heterocompositiva de resolução de controvérsias, pela qual as partes capazes de contratar estabelecem, de comum acordo, que um árbitro (ou tribunal arbitral) terá poderes para solucionar eventual embate jurídico que envolva direitos patrimoniais disponíveis, sem a intervenção estatal. Desse modo, são duas as condicionantes impostas pelo art. 1º da LArb para que as partes possam submeter litígios à arbitragem: (i) as partes devem ser capazes de contratar; e (ii) a controvérsia deve versar sobre direitos patrimoniais7 disponíveis8 — arbitrabilidade objetiva.

A utilização da arbitragem tem caráter voluntário e se baseia fundamentalmente na liberdade de escolha das partes, no consenso. Portanto, assim como os negócios processuais, a arbitragem é regida pelo princípio da autonomia privada.

Relevante destacar que a sentença arbitral terá a mesma eficácia de uma sentença proferida em processo judicial, sendo vinculante entre as partes, passível de execução forçada e capaz de se tornar imutável por sofrer os efeitos da coisa julgada material9 (art. 31, LArb).

Responsável pelo afloramento da arbitragem, a convenção de arbitragem é a forma pela qual as partes exercem sua opção pela jurisdição arbitral e está prevista no art. 3º da LArb como gênero do qual são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

A cláusula compromissória tem caráter preventivo e consiste na “convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato” (art. 4º, caput, LArb).

Já o compromisso arbitral “é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (art. 9º, LArb). Este, ao revés do que ocorre com a cláusula compromissória, se destina a submeter ao juízo arbitral uma controvérsia concreta já existente entre as partes.

O art. 5º da LArb, ao tratar da cláusula arbitral cheia — aquela que contempla o essencial para a instituição da arbitragem (art. 19, LArb) —, preconiza que, se as partes optarem pela arbitragem institucional e reportarem tal vontade na cláusula compromissória, a arbitragem será instituída e processada de acordo com as regras da instituição ou entidade especializada por elas escolhida, “podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem”. Em complemento, o art. 6º prevê hipótese para o insucesso da disposição anterior e o art. 7º trata sobre a forma de execução específica de cláusula compromissória vazia — conteúdo lacunoso que impossibilita a provocação imediata da arbitragem.

Na convenção de arbitragem, as partes podem pactuar livremente se a arbitragem será de direito ou de equidade (art. 2º, LArb). Nada obsta, ainda, que contemple ambas as hipóteses, oportunidade na qual caberá ao árbitro decidir qual a melhor forma de pôr fim à controvérsia submetida a seu crivo.

Desde que não malfiram a ordem pública e os bons costumes, as partes poderão escolher as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem (§ 1º, art. 2º, LArb). Carlos Alberto Carmona10 ressalta que “as partes podem escolher a via arbitral não apenas para evitar a solução judicial dos conflitos, mas especialmente para poderem selecionar a lei material aplicável na eventualidade de litígio”. Pela redação do § 2º do mencionado dispositivo, podem as partes convencionar que a arbitragem se realize à luz dos princípios gerais de direito, dos usos e costumes, assim como das regras internacionais de comércio.

A respeito da opção pela lei aplicável, José Eduardo Carreira Alvim11 assinala o seguinte:

“A grande vantagem da arbitragem sobre o processo judicial é que, nela, o procedimento é estabelecido pelas partes, podendo estas determinar os atos a serem praticados e o número deles, concentrando ritos e sumarizando quantum satis o procedimento que querem seja observado. Podem, também, reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, ou, ainda, delegarem ao próprio árbitro ou ao tribunal arbitral regular o procedimento (art. 21, caput).”

Ainda que as partes optem pela adoção das regras procedimentais de uma instituição arbitral ou entidade especializada, será possível afastar, de comum acordo, a aplicação de dispositivo do regulamento “que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros”, pois a nomeação do árbitro concerne às partes (§ 1º, art. 13, LArb). Existe, no entanto, a possibilidade de delegarem ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, a regulação do procedimento arbitral (art. 21, caput, LArb).

Desse modo, viu-se que através da convenção de arbitragem, as partes podem estipular critérios e/ou exigências para nomeação de árbitro, alterar o termo legal para prolação da sentença arbitral, fixar prazos, datas de audiências, número de testemunhas a serem eventualmente arroladas na produção de prova oral, pactuar sobre ônus probatório, regular a forma para a prática e intimação de atos processuais e procedimentais, dispor a respeito dos ônus sucumbenciais e do pagamento dos árbitros, dentre outras possibilidades.

A liberdade das partes em estabelecer as regras de desenvolvimento da arbitragem, contudo, encontra limites no princípio geral do devido processo legal, que impõe regras de preservação do direito ao contraditório, igualdade, imparcialidade do árbitro e seu livre convencimento (§ 2º, art. 21, LArb). Nesse aspecto, cumpre ao árbitro decidir, de ofício ou a requerimento das partes “as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória” (par. único, art. 8º, LArb).

Ausentes possíveis óbices, a arbitragem obedecerá ao procedimento adotado pelas partes na convenção de arbitragem, até que seja proferida a sentença arbitral com qualidade e rapidez (art. 21, caput, LArb).

Pelo que foi dito neste trabalho, podemos constatar, exemplificativamente, as seguintes semelhanças entre negócios processuais e arbitragem: (i) prevalência dos princípios da autonomia privada e da livre manifestação de vontade das partes; (ii) poderes de autorregramento e autorregulação; (iii) flexibilidade procedimental; (iv) existência de jurisdição — estatal ou arbitral —; (v) controle de validade dos acordos procedimentais firmados; e (vi) caráter voluntário.

A autonomia privada é o norte da arbitragem, até porque, como já dito, essa espécie de jurisdição privada nasce de uma convenção processual entabulada entre aqueles que dela se socorrem. Nessa mesma linha, o negócio jurídico processual confere ao jurisdicionado a possibilidade de adequar o rito processual aos seus interesses, conforme a natureza e a complexidade da demanda.

O negócio jurídico processual, portanto, consiste no pleno exercício da autonomia privada das partes, que, se podem inclusive dispor do direito sub judice, por muito mais razão são aptas a regrar, procedimentalmente, o modo pelo qual ele será solucionado pelo Poder Judiciário. Exatamente o que ocorre na arbitragem, com a ressalva de que se trata de jurisdição privada, não estatal.

Muito embora não se negue que a flexibilidade concedida às partes num procedimento arbitral é significativamente maior do que àquela outorgada no processo judicial, é inegável que o CPC/15 representa importante aproximação entre os institutos. « Voltar