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O STF decidiu nesta quinta-feira, 17, que o pagamento de valores retroativos a anistiados políticos deve ser imediato. Segundo os ministros, não havendo, ou sendo insuficiente ,a disponibilidade orçamentária no exercício em curso, a União deve promover a sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte.

Relator do RE 553.710, com repercussão geral reconhecida, o ministro Dias Toffoli negou provimento ao recurso e foi seguido à unanimidade pelo colegiado.

Sargento anistiado

O caso levado a julgamento é o de um sargento anistiado da Aeronáutica em Recife/PE. Ele teria sido desligado das Forças Armadas em 1964 por motivo exclusivamente político, tendo em vista documento que licenciava os cabos da aeronáutica – patente a que pertencia à época –, considerados subversivos pelo regime militar vigente.

A defesa alegava que, mesmo tendo sido declarado anistiado político por meio da portaria 84, de 2004, do ministro da Justiça, o militar ainda não recebeu os valores atrasados. Conforme sustentaram, a falta de cumprimento da determinação de providências por parte do ministro da Defesa, no prazo previsto no parágrafo único do artigo 18, da lei 10.599/02, caracterizaria omissão ilegal que viola direito líquido e certo.

O acórdão recorrido concedeu a segurança para determinar ao ministro de Estado da Defesa que desse integral cumprimento à portaria 84, garantindo-lhe o pagamento dos valores retroativos relativos à reparação econômica assegurada.

Dotação orçamentária

Do início da leitura de seu voto, Dias Toffoli destacou que são destinados anualmente, no orçamento da União, valores expressivos com a finalidade específica de liquidar reparações econômicas de anistiados políticos militares.

Neste sentido, ponderou que a jurisprudência do STF consolidou a premissa de que a existência de dotação legal é suficiente para que haja o cumprimento integral da portaria que reconhece a condição de anistiado político, conforme o artigo 12, § 4º, da lei 10.559/02.

"Demonstrada, portanto, a existência de dotação orçamentária decorrente de presumida legítima programação financeira pela União, não se visualiza, no presente caso, afronta ao princípio da legalidade da despesa pública ou às regras constitucionais que impõem limitações a despesas de pessoal e concessões de vantagens e benéficos pessoais, já havendo precedente do STF neste sentido."

Segundo Toffoli, a recusa de realizar esta inclusão em orçamento prévio orçamento afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, com relação às anistias, "por se tratar de cidadãos cujos direitos foram preteridos por atos de exceção política, foram admitidos com anos de atraso pelo poder público, não podendo esse se recusar a cumprir a reparação econômica reconhecida como devida e justa pelo parlamento".

Não há dúvida, para o relator, que a opção do legislador ao garantir tais direitos aos anistiados foi o de restabelecimento do mínimo dessa dignidade, "destroçada" durante o período da ditadura militar brasileira.

"Havendo preenchimento desses pressupostos, quais sejam, o reconhecimento do débito pelo órgão da admiração em favor do anistiado, e a destinação de verba em montante expressivo em lei, não há como se acolher, nos presentes autos, a tese de inviabilidade do pagamento pela ausência de previsão orçamentária para o atendimento da pretensão."

Conforme apontou, considerando que não houve violação do princípio da prévia dotação orçamentária, não se admite o argumento de que o pagamento dos retroativos levará a uma situação de exaustação orçamentária. "A inexistência de recursos deve ser real, demostrada de forma transparente e esclarecedora", advertiu.

Concordância

Acompanhando Toffoli, o ministro Edson Fachin pontuou que cabe à União o dever de pagar àqueles, cujo direito restou reconhecido, em exercício financeiro no qual se previu ação orçamentária para o pagamento da indenização.

"Quando menos, o dever de planejar a inclusão no exercício financeiro seguinte do passivo de indenizações posteriormente reconhecidas, a fim de abarcar o sentido de disponibilidade orçamentária previsto no art. 12, parágrafo 4º, da lei 10.559/02."

Sob o ponto de vista humanístico, Barroso ponderou que, passados 12 anos, determinar que ainda se inclua o montante devido em precatório "faria má justiça": "[o precatório é] solução que, neste caso concreto, me parece extremamente injusta, sobretudo se considerarmos que se trata de uma pessoa que tem 78 anos".

Teori Zavascki advertiu que precatório diz respeito a decisões judiciais e visa à observância do princípio orçamentário das despesas públicas. "Não faz nenhum sentido submeter a precatório débitos que não decorrem de decisão judicial", ponderou.

"Não havendo ou sendo insuficiente a disponibilidade orçamentária no exercício em curso, deve o impetrado promover a sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte." A ministra Rosa Weber acompanhou o relator, com o adendo feito pelo ministro Teori.

"Esse é o tipo do caso que não há incerteza" – disse Fux, próximo a votar –, "e não haveria porque promover-se uma ação que sequer haveria interesse de agir, na medida em que a própria administração pública reconheceu o direito da parte através do ato administrativo com a indicação dos valores devidos aos interessados".

Com relação à disponibilidade orçamentária, Lewandowski, que proferiu voto em seguida, destacou que, se não houver comprovadamente disponibilidade orçamentária, o crédito deverá ser consignado no orçamento imediatamente seguinte. "A própria lei já dá as diretrizes para a solução desse caso."

Por sua vez, o ministro Marco Aurélio, que também acompanhou o relator, afirmou que no art. 12 § 4º da lei 10.559/02, determinou-se um prazo de 60 dias, para serem observados os pronunciamentos do ministro de Estado da Justiça nos processos de anistia política, e se submeteu a observância desses pronunciamentos a uma condição: a disponibilidade orçamentária.

"Nós sabemos que orçamento está submetido ao princípio da anualidade, ano a ano tem-se um orçamento a ser elaborado. Então se considerarmos que a portaria do ministro de Estado da Justiça data de 14/1/04 nós vamos constatar que na data de hoje passados 12 anos, 10 meses e 3 dias, ainda não houve a inserção de numerário, se é que não houve, (...) de numerário para satisfação do que previsto na portaria. E nessa portaria, o valor ficou estritamente estabelecido, reconhecido pela administração pública."

Celso de Mello, por fim, celebrou a lei 10.559/02 como a tradução de uma reposta afirmativa "à implementação concretizadora das premissas e das próprias razões que dão suporte à Justiça de transição em nosso país".

"De um lado, a necessidade de reparação financeira devido às vítimas da ditadura, e, de outro a preservação da memória histórica em torno dos fatos ocorridos no Brasil no período em que nosso pais foi dominado pelo regime militar."

Fonte: Migalhas